DECLARAÇÃO DA ASSOCIAÇÃO ESPANHOLA DE NEUROPSIQUIATRIA
Sobre a síndrome de alienação parental, disponível intelgralmente através deste link

A Associação Espanhola de Neuropsiquiatria faz a seguinte declaração contra o uso clínico e legal da chamada Síndrome de Alienação Parental¹
É (...) urgente o trabalho coordenado e baseado em critérios comuns, de profissionais de saúde mental e profissionais da justiça.
A essência da chamada Síndrome de Alienação Parental, segundo o autor que a inventou e lhe deu o status de síndrome “médica” (Gardner, 1985), se refere à “programação” ou “lavagem cerebral” feita por um genitor na criança, com a intenção de “denegrir” e “vilipendiar” o outro genitor (acrescentando-se elaborações “construídas” pelo próprio menor) e assim justificar a resistência do menino/a a manter uma relação com esse genitor, que é definido como alienado.
Nos últimos anos na Espanha, como em outros países de nosso entorno, vem se infiltrando nas sentenças judiciais, sob a suposta aprovação científica da SAP, argumentos para mudanças de guarda ou outras ações legais de enorme repercussão para o menino e a família; argumentos, entretanto, não aceitos por uma ampla maioria de profissionais de saúde mental.
Acreditamos que o êxito que o termo teve no campo judicial se deve à necessidade de dar uma resposta simples (e simplista) a um grave problema que preocupa e satura os julgamentos de família, facilitando argumentos pseudopsicológicos ou pseudocientíficos (Escudero, Aguilar e de la Cruz, 2008 a, b) aos advogados daqueles genitores litigantes pela guarda de seus filhos. Esta explicação pode ajudar a entender por que [a SAP] tem sido aceita, pese a sua falta de rigor, sem maiores questionamentos.
O risco atual de que tal “construção da realidade” se infiltre também nos sistemas diagnósticos internacionais, como o DSM V, tem feito com que muitas associações e profissionais de diferentes países se pronunciem contra essa teoria.
NA OPINIÃO DA AEN
As bases sobre as quais se constrói o “castelo de areia” da SAP correspondem à descrição que faz R. Gardner em 1985, baseando-se em suas opiniões pessoais e em citações próprias. Em um de seus artigos considerados “profícuos”, de 16 referências bibliográficas, 15 correspondem a citações de trabalhos do próprio Gardner (2004).
A SAP considera uma grave tentativa de medicalizar a luta de poder pela guarda de um filho. Ocorre dessa maneira para explicar as complexas dinâmicas de interação familiar com base na “programação” da criança que faz o cônjuge denominado “alienador” com o objetivo de denegrir o cônjuge “alienado”. Implica em um abuso do emprego do “psiquiátrico-psicológico” que evita, assim, levar em consideração o papel em que também atua no conflito o cônjuge que é considerado “vítima” do “alienador”. Tampouco se procura outras explicações como pode ser uma reação esperada ou justificada da criança depois de uma separação dos pais, que na maioria dos casos em que não há violência familiar, geralmente se resolve após algum tempo.
A tendenciosidade de gênero nas discrições da SAP é inegável. A maioria dos cônjuges “alienadores” é em sua opinião “mulheres que odeiam os homens”. Qualquer tentativa destas de se rebelar diante do risco de perda da guarda de seu filho, se converte em novas provas da alienação e da programação a que submetem o filho. Por outro lado, qualquer tentativa de protesto do menino ou menina se converte, por causa dos critérios diagnósticos que Gardner inventou, em novos sintomas de sua programação. Mesmo os terapeutas que argumentam contra a SAP se convertem também, segundo Gardner, em sujeitos vulneráveis à programação que se tornam parte de uma espécie de “folie à trois”, em palavras do próprio Gardner (1999). Isto é, contrapondo-se a qualquer abordagem científica, a SAP se constrói de modo que nunca possa ser refutada porque qualquer tentativa de contestação a converte, por si mesma, em verdadeira.
Ignoram-se com base na SAP protestos ou acusações da criança (e da mãe) de maus-tratos ou abuso. Embora Gardner especifique que em caso de abuso não se deve diagnosticar de SAP, o risco de deixar uma criança, cujas queixas são desqualificadas e não escutadas por serem consideradas produto de uma programação, nas mãos de um genitor abusador é muito alto. A ele se soma que as tentativas de proteger a criança por parte do outro genitor se convertem em mentiras e novas tentativas de “programação”. Deixa-se nas mãos de um potencial abusador a criança, isolando-a de seu único vínculo de proteção.
Por outro lado, tem sido demonstrado pelo próprio Conselho Geral do Poder Judiciário depois de um minucioso estudo de 530 resoluções que, de todas estas, só uma – na qual é a própria mulher quem nega a veracidade de seu primeiro depoimento – poderia ser tipificada como denúncia falsa. Segundo o CGPJ, com base no estudo citado (2009), este demonstra que as supostas denúncias falsas por violência de gênero constituem um “mito” (13 de outubro de 2009).
A “terapia” que propõe Gardner para acabar com a suposta “programação” e que ele mesmo denominou “terapia de ameaça” impede qualquer saída a um menino/a vítima de abusos de escapar da situação temida. Ameaçar enclausurar ou retirar as visitas ao cônjuge (normalmente a mãe) com quem a criança tem o vínculo mais estreito força a menina/o a aceitar a relação com o genitor litigante.
COM BASE NO ANTERIOR A AEN CONCLUI
Que a SAP como inventou Gardner não tem nenhum fundamento científico e implica em graves riscos sua aplicação na corte judicial.
A AEN RECOMENDA
Que as complexas e com frequência violentas, ou ao menos altamente conflituosas dinâmicas familiares que terminam em litígio pela guarda de um menor, têm que ser estudadas especificamente, isto é, caso a caso.
Que o profissional de saúde mental não pode ocupar o papel de ditar a verdade ou falsidade de um assunto, aspecto que corresponde ao tribunal. Mas que, ao mesmo tempo, nos tribunais não devem ser empregados pelas equipes técnicas adscritas, e se requeridos, por profissionais de saúde mental, constructos tais como os contidos na SAP (seja sob esta designação terminológica ou outra) por sua origem conceitual retórica em qualquer caso científico, pelo enorme potencial de prejuízo sobre menores e adultos privados de toda possibilidade de defesa (pois sendo “diagnosticados”, toda tentativa de defesa se converte em auto-confirmação do diagnóstico atribuído).
Que os argumentos que os profissionais de saúde mental levam aos profissionais da justiça devem se basear em literatura cientificamente contrastada e não em meras repetições de receitas simplistas de um caso extrapolado a outro.
Que haja uma difusão em círculos profissionais de saúde mental e justiça sobre como se chegou à construção desta suposta síndrome, das graves consequências de sua aplicação e das recomendações de trabalho coordenado entre campos profissionais da saúde mental e da justiça.
Dada à tradição da própria AEN e a seu capital humano de profissionais conscientes do risco de que conceitos pseudocientíficos como o aqui abordado proliferem em favor de interesses diversos, que não somente os da saúde mental, recomendamos e nos colocamos com tal habilidade para constituir um grupo de trabalho que possa se aprofundar no tema a partir de um ponto de vista profissional.
Nota: ¹ E outros termos pelos quais se reproduzem os mesmos conteúdos e as orientações práticas da SAP: “A utilização da chamada ‘Síndrome da Alienação Parental’ (de agora em diante, SAP), ou de uma denominação alternativa mas com a mesma potencialidade, para explicar e tratar de solucionar os problemas de relação entre pais e filhos depois de uma situação de crise matrimonial – uma das reações referidas – é uma realidade preocupante cada vez mais comum. Guia de Critérios de Atuação Judicial Frente à Violência de Gênero do Conselho Geral do Poder Judiciário de 2008.

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Também um texto do Juiz Federal Argentino Carlos Rosanski, especialista em entrevistas a crianças vítimas de abuso sexual, chega às mesmas conclusões:

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